Clostridium

Posted on 10/11/2011

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O lema é atacar, matar, e se possível, destruir até sobrar migalhas. Usamos serras, maças, porretes, clavas. O Jimmy gosta do martelo. Não queremos dominar, provavelmente gostamos do termo, ele traz lembranças de antigos ídolos, mas o termo certo é destruição. Não precisamos de líderes, mestres ou imperativos. Só queremos respirar, agir por conta própria, sentir nossos pés tomando as rédeas. Ninguém precisa ditar regras, seguir 10 mandamentos, rezar, pregar, obedecer. Vamos quebrar o que os homens de bem chamam de regras. Vamos? Vamos carregar nossas armas, arruinar com o controle, a dominação, os ternos, a formalidade, o poder. Aquilo que nossos pais nos ensinaram, será transformado em sangue e revolução.

Quebraremos o círculo, atacaremos a fonte do problema.

“Juntem-se mais.” Louis pede.

O grupo caminha, olhando para os lados, erguendo as armas grosseiras, expondo as tatuagens, os olhos tensos fundindo-se ao sol da manhã. Ao redor, o vazio de um campo verde e cheio de vacas e árvores. Um silêncio nostálgico. Uma paz que entra em contraste com nossas ações.

“Os tempos mudaram, amigos.” Louis fala alisando a sua serra elétrica.

Outros membros se aproximam do corpo á nossa frente. Formamos uma legião armada gigantesca. Todos ansiosos pelo próximo ato. A próxima revolução, que dessa vez, será televisionada. “Os assassinos dos tempos pós-modernos.” “Jovens sem limites.” Esses são alguns dos nossos apelidos. Um jornalista chamou-nos de “riquinhos psicopatas.” Um apresentador de televisão disse que devíamos morrer em uma vala. Disseram que não éramos humanos.

“Temos que agir de forma agressiva. Por isso fizemos isso, senhor” Mario diz.

Um jovem com tatuagens no pescoço puxa uma pistola dourada da calça jeans rasgada e preta, ergue a arma e diz que devíamos ser diretos, um bang e pronto. O mundo precisava sentir a nossa fúria. Os engomados, os defensores dos animais e os ideológicos precisavam tombar.

“Calma, Pedro.”  uma garota tatuada da cabeça aos pés começa a falar. O grupo está estático. Eu olho para os lados e pergunto: “E aí?”

“Relaxa. Vocês são nervosos. Essa carne já tem endereço certo.” Disse um cara com piercing na boca e no nariz. A paisagem frontal está ilustrada por uma vaca defecando e comendo grama. Abaixo, na altura do nariz fino e perfeito de todos nós, focalizamos o homem negro sangrando. A perna dele está com uma ferida enorme, criou uma gangrena gasosa, explicou Louis. Ele diz que a infecção resulta da Clostridium da espécie C. perfringens, espécie bacteriana que em condições anaeróbicas, produz toxinas que causam necrose do tecido e sintomas associados. A minha breve estadia no curso de medicina me ajudou a entender a situação da nossa vítima. A serra elétrica detonou a perna do cara, ele gemia e chorava como uma criança sem leite. Um animal abatido aos poucos. Um verme politizado. Ele estava nessa agonia fúnebre faz alguns dias. Nós gostamos de conservar as vítimas do nosso açougue particular.

“Lindo.”

A inflamação começa apresentando um inchaço tecidual no local da infecção, bastante doloroso, cor pálida passando para um vermelho-acastanhado. Nós pressionamos a área inchada, sentimos uma sensação crepitante, era o gás no tecido.

“Está doendo, senhor senador?” perguntavam para o homem.

As beiradas da área infectada expandem-se em poucos minutos, de forma tão rápida que as alterações são visíveis. O tecido afetado fica completamente destruído. As boas e velhas espécies de Clostridium produzem diversos tipos de toxinas, causam também necrose tecidual, destruição dos glóbulos vermelhos do sangue, diminuição da circulação local e infiltração nos vasos sanguíneos.

“Parem!” gritou o homem, arregalando os seus olhos avermelhados.

Os sintomas sistêmicos se manifestam desde o início da infecção e consistem em sudorese, febre e ansiedade. Caso o paciente não receba tratamento, pode surgir: choque, síndrome caracterizada por queda da pressão sanguínea, insuficiência renal, coma, e por fim, óbito.

A última palavra do homem foi “Por quê?”

Louis cortou o resto da perna, olhou para o grupo, apontou o dedo para o único negro presente.

“Finalize o trabalho. Essa carne é sua.”

O garoto se aproximou do homem caído. Sem lágrimas. Dor ou sentimentos dignos de novelas. O jovem estava pronto. Pronto para tornar-se um de nós.

“Não espere que eu peça perdão, papai.” Ele diz.

Puxou o seu taco de madeira e acertou a cabeça do homem de terno e gravata. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez vezes. Até o taco virar pó.

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